quinta-feira, 15 de agosto de 2013

"As aventuras de Pinóquio: história de um boneco" de Carlo Collodi


Acho que preciso fazer uma confissão aqui. Nunca que eu havia parado para pensar que o Pinóquio, que conhecia via Uau Disney, fosse baseado em um livro. Não que eu tenha ficado surpreso quando descobri, só nunca havia parado para pensar... O desenho, aliás, eu achava (ainda acho) meio chatinho. Mas eis que estava eu perambulando pela net, por esse mundão velho cibernético sem porteira, quando me deparo com o livro, numa edição especial capa dura da Cosac Naify e resolvo comprar. Primeira pergunta, né? Por que comprar um livro de uma história que eu achava chata? Bem... Porque estava em promoção. 50% de desconto sempre faz o meu coração bater mais forte e meus olhinhos brilharem... (Oui, sociedade de consumo c'est ça). E, no fundo, a gente sempre sabe desconfia que uma adaptação da Disney vai mudar completamente um pouco a história... (Lembro quando tomei ciência da versão original da Pequena Sereia... "Adeus, infância" e "Prazer em conhecê-la, psicanálise").
"Grilo falante, véi... na boa"
Pois bem. Comprei o livro na promoção, recebi o bichinho e deixei lá estocado até que a vontade viesse (ou o tempo, ou que eu não tivesse mais nada para ler). É preciso explicar - e imagino que isso aconteça com muita gente - que a minha fila de leitura é, digamos, à la SUS. Um caos. Meio confusa e de aspecto interminável. E volta e meia, um livro fura a fila. Paciência. "Faço o que posso", repito mentalmente como um mantra. Voltando ao que interessa... Nesta semana, arranjei um tempinho e peguei o Pinóquio pra ler. O início me deu uma sensação de que eu havia perdido o meu rico dinheirinho (preciossssso). Parecia um livro pra criança, bem criança... (Mas, poxa vida, o que será que eu estava esperando, não é mesmo? Afinal, é o Pinóquio, aquele menininho de madeira e tal...). Continuei a leitura, porque... (momento vergonha) porque tinha figurinhas. É. A edição é lindamente ilustrada. Há que se fazer até um comentário à parte a respeito. De acordo com informações do livro, o ilustrador Alex Cerveny (brasileiro) utilizou uma técnica chamada cliché verre (sim, nunca ouvi falar), que aparentemente bombava no final do século XIX (época do livro). Então, bem, fui pelas figurinhas, mas não por figurinhas qualquer, ok? Figurinhas cliché verre, o que mantém a minha dignidade a salvo de uma derrocada total. Bom, mas a história foi se desenvolvendo e eu comecei a achar que aquilo lá não era exatamente para crianças... Ou era? Quer dizer, não sei até que ponto seria classificado como "infantil" comparando com o que é "recomendado" para as crianças hoje...
A história é desenvolvida aos solavancos. Dá pra ter uma clara ideia de que ela não foi pensada de uma maneira estrutural. Em outras palavras, a impressão é que nem autor, quando começou, sabia qual seria o fim da história e como iria desenvolvê-la (meio que como eu, escrevendo esta resenha). Talvez, quase certeza (tá, é certeza), isso se deva ao fato que a história foi sendo publicada aos poucos em um folhetim italiano. Cada edição publicada no folhetim deu origem a um capítulo do livro. Constam, inclusive, dois finais. Um final logo no capítulo 15 (não chequei, tô contando com a minha memória), que é bem, mas bem trágico. Pelo que se sabe, os leitores do folhetim já tinham caído de amores pelo Pinóquio (não sei bem por que, já que, no início, ele é o menino de madeira mais irritante que eu conheci...) e pressionaram que a história continuasse. E, claro, a história continuou. Bom, bem, então... Pra quem conhece a versão da Disney como eu, vou logo dizendo: "nada a ver, véi". Quer dizer, há uma fada, há um grilo falante e outros elementos que aparecem no desenho animado, mas a abordagem não é nada Disney. E as coisas se desenrolam de uma maneira totalmente diferente.
"Ó, Deusa Ísis, é você?"
E, vejam só que coisa, é possível fazer uma "leitura adulta" do livro. Pra quem curte, ele é recheado de simbologias e é tocado com uma pegada pra lá de nonsense, que dá margem a várias (leia-se: váááááááárias) interpretações. Dá pra viajar e, sem dúvida, o povo viaja. No final do livro, há um posfácio escrito pelo Italo Calvino, em que ele fala da importância do livro na literatura italiana/mundial e cita algumas análises. Posso dizer (e isso não é spoiler) que até Jesus e a deusa egípcia Ísis entraram nas análises...
No fim, mesmo sem as figurinhas, o livro vale a leitura. Tive raiva do Pinóquio no começo (êta minininho mal educado!), tive meus momentos de viagem na leitura (não cheguei a ver a deusa Ísis, mas enfim...) e ainda ganhei a minha lição de moral de que "sim, senhoras e senhoras, é preciso estudar e ser persistente para ser um rapaz de bem". Esse é o mote da história, mas é claro que quase toda história vai além do seu mote (Er... volta lá e vê a parte em que eu citei Ísis e Jesus, hehehe).


As aventuras de Pinóquio: História de um boneco
Título original: Le avventure di Pinocchio - Storia di un burattino
Autor: Carlo Collodi
Tradução: Ivo Barroso
Ilustrações: Alex Cerveny
Posfácio: Italo Calvino
Editora: Cosac Naify